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sexta-feira, 27 de julho de 2012

Mauá, nº 340


Na Estação da Luz, Centro Antigo de São Paulo, mais abandonado que antigo, encostada na antiga, ou eterna, região da Cracolândia, destaca-se um prédio, de seis andares, ocupado há anos por mais de mil pessoas, idosos, crianças, trabalhadores, gente que não trabalha, gente nova, gente antiga, gente já desocupada, gente ocupante, gente que nunca ocupou, gente nascida...

Vou tentar contar sua história: lá atrás, bem atrás mesmo, antes do Brasil ser Brasil, esse prédio se chamou Boulevard Hotel, pertencente a um imigrante, o qual fazia do empreendimento, um meio de ganhar a vida. Na pré-história paulistana, o imigrante faleceu, e os filhos receberam o presente, ou castigo. O prédio central que eles nunca deram qualquer tipo de uso.

Os anos passaram, veio Brasília, veio Copa do Mundo, veio o fim da ditadura, o começo da Democracia, ainda jovem e mal exercida, veio o Século XXI, e com tudo isso, veio a Especulação Imobiliária – valorização dos imóveis, segregando pobres para os cantos da cidade. A marginalização de comunidades de baixíssima renda, forçadas a viver em periferia, em lugares esquecidos, em prédios abandonados.

Já com o aspecto sombrio, o Prédio abandonado da Mauá, nº 340, olhava o esquecimento de longe, já havia dado de ombros para a cidade, e nem mais impostos para sua cidade recolhia, havia quase quarenta anos. Dane-se, pensava.

Eis que de repente, uma pessoa acompanhada de duas crianças entra pela antiga porta. Em seguida, entram um casal de idosos, um louco varrido, uma diarista batalhadora nesta cidade que nega seus direitos, um ajudante geral, um bêbado... Aos poucos, o Mauá, nº 340, perdido no seu sono profundo, acorda, desperta flamejante com o pulso dos anseios dos esquecidos, ganha vida, após tantos anos de depressão.

A ocupação que começou receosa, ganha força. Afinal, o Mauá, nº 340, já completava mais de quatro anos desde seu segundo nascimento. Já havia relembrado de como é que era ter uma portaria, sabia o nome dos moradores, curtia a vida de ser um bom prédio.

 Um dia, já em um passado não tão distante assim, por volta de 2004, aquele herdeiro – lembra dele? – de mais de cinquenta anos atrás, bate nas portas da “Justiça”. Isso, o senhor, de mais de oitenta anos, foi clamar justiça imediata e urgente contra os ilegais invasores de seu prédio comercial.

 O Judiciário, nutrido de compaixão pelos direitos civis da função social da propriedade, entendeu a dor do pobre senhor que foi abusado e subtraído pelos invasores sem teto. Ora, se tem o registro no nome do senhor, então o prédio é dele! Que se exploda o resto!

 E, aos prantos, o Mauá, nº 340, viu seus colegas e amigos serem expulsos, na base do cassetete. Já amanhecia, quando, cansado de tanto desgosto, virou-se, e dormiu, novamente.

O sono durou pouco. Seus colegas não o abandonaram, e as semanas seguintes, quando a primeira teia de aranha se formava, o prédio se habitava novamente. Não tinha jeito. Era a casa deles. E lá, contra o direito do herdeiro ver um imóvel apodrecer se levantaram.

O terceiro nascimento do Mauá já completou mais de cinco anos. O herdeiro, beirando os noventa agora, bateu de novo na casa da “Justiça”. O juiz, de novo, sem ouvir os moradores, mandou-os todos saírem, autorizando a força policial. Tudo para respeitar a sagrado registro de propriedade do imóvel, que acumula mais de três milhões de dívidas de impostos.

Talvez seja este o destino do Mauá, nº 340. Dormir, para acordar cada vez mais forte.