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sexta-feira, 18 de junho de 2010

Varela


Ricardo Varela, recém formado na faculdade de Jornalismo, havia se cansado de procurar emprego nos veículos mais expressivos de imprensa. Decidiu, portanto, junto com um bando de amigos frustrados que nem ele, fundar uma revista – “A Crítica” será o nome dela, sendo Ricardo o encarregado das crônicas políticas.

E lá foi Ricardo Varela, cheio de gás, começar a trabalhar na revista recém fundada. Faltava-lhe, porém, inspiração para escrever algo realmente digno de ser publicado. Vou dar uma volta, almoçar e depois escrevo – pensou.

Revista nova, dia novo, restaurante novo, o ânimo merecia uma renovada na gastronomia rotineira. Lembrou-se de uma cantina perto de sua casa, também recém inaugurada, lugar ideal para a mudança de clima de Ricardo. “Famiglia Grassi” era seu nome.

No entanto, a experiência de Ricardo não deu muito certo. A recepcionista era arrogante, o garçom mal educado, a comida fria e ruim e a conta cara. Ao final, Ricardo reclamou para o caixa, que, com descaso, respondeu: “Todos que vem aqui gostam, deve ser alguma coisa com você mesmo”.

Ricardo ficou muito puto da vida pensando naquela besta daquele caixa filho de uma égua daquela merda de restaurante com aquela merda de recepcionista com aquele merda daquele garçom junto com a merda da comida e aquela bosta daquele filho da puta daquele filho da puta daquele merda de filha da puta daquele bosta daquele... Porém, como todo mau consumidor e bom moço, pagou a conta e foi embora.

Chegando a casa, ficou aliviado – tinha, enfim, o que escrever. Começou. A coluna “preocupado com o brasileiro” tratava de sua preocupação com a identidade que o brasileiro estava formando. “É um povo que abre qualquer cantina contratando péssimos profissionais, servindo uma comida de má qualidade e cobrando contas extremamente altas. É um dos grandes problemas do brasileiro.”.

A revista teve sua primeira edição lançada nos dias seguintes. Na capa, a menção ao artigo de Varela sobre a decepção com o brasileiro. Foi distribuída, lida e comentada no site, blog, Orkut, twitter, de cada um deles. A empolgação foi geral – a ideia de seu pensamento interessar a outras pessoas era fascinante.

Lançada a revista, Bruno Vianello, integrante da revista na parte de Esportes, convocou uma reunião na sua casa para que todos os participantes discutissem a próxima edição. Varela chegou mais cedo. Entrou e começaram a conversar – tinham pouca intimidade, foram apresentados pelo Odílio, colaborador da parte dos famosos. Conversaram sobre futebol, quem era a gostosa da televisão e quem não era, até que o assunto chegou em tênis.

Varela não tinha estilo certo. Para aqueles que insistem em defini-lo, ele próprio diria – Visto o que ganho de presente. Ou seja, ao abrir seu armário encontrava: camisa social, regata, camiseta largadona de surfista, camisa pólo, shortão, calça jeans, tênis de jogador de basquete, sandália de Jesus Cristo, enfim, comprovava sua própria teoria. Ocorre que como nunca comprava nada, quando não ganhava, ficava com tudo desgastado. Era o caso do tênis. Um estava rasgado e o outro grande demais – perdeu a data para trocar o produto.

Vianello o aconselhou. - Tênis? Sem problema... Eu tenho um esquema bem da hora com um amigo de colégio meu. O pai dele é contrabandista e ele me arranja tênis por 20% do preço. Qual tu vai querer? Nike, Adidas ou Puma?

Varela, fingindo achar graça, recusou. Nunca foi de se envolver com contrabando, pirataria. É o que Vianello chamaria de caxias. Percebeu a malandragem de Bruno e logo ficou sabendo que ele usava anabolizantes para parecer forte, tirava racha com o carrão do pai, ou seja, não tinha nada de semelhante com ele – Bruno, aliás, representava tudo o que ele não gostava.

Realizada a reunião – os demais jornalistas chegaram logo em seguida – Varela foi para sua casa, tão tranquilo com seu artigo, que já chegou em casa e o deixou pronto em vinte minutos. O título era: malandragem brasileira. Tratava do jeitinho que o brasileiro encontra para encontrar a melhor saída.

“O brasileiro é aquele que quando escolhe entre um tênis da loja, tributado, seguro e com garantia e um tênis de um contrabandista escolhe o tênis contrabandista. Ou é aquele que desiste ao perceber o quanto terá de fazer de esforço para emagrecer e ganhar força, optando pelo uso de anabolizantes – o caminho mais fácil. Esse é o brasileiro.”.

Ao digitar o ponto final do artigo, Varela pensou. Pensou no caixa do restaurante, no Bruno, em como eles são os modelos de seus artigos. Perguntou-se se suas experiências infelizes, cada uma com uma pessoa, foram responsáveis por uma generalização nas suas críticas. Tocou o telefone – era a Net que queria ser sua operadora – disse não e desligou. Esqueceu o que estava pensando. Mandou o artigo para o editor. Que pena.

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